Dante e o Eterno Feminino
- Quartier des Arts

- 30 de abr. de 2021
- 3 min de leitura
Atualizado: 21 de mai. de 2021
ARTS QA, POR CARLOS RUSSO
Dante e o eterno feminino.
Bloco 1/8
Prezadas quartières
É com grande satisfação que preparamos para as próximas semanas um dos poemas mais maviosos do grande poeta fiorentino do século XIV, aquele que soube ler a alma feminina, tornando sua personagem tão imortal quanto o próprio sentir do ser mulher.
Dante Alighieri foi político, poeta, estudioso da cosmologia e da ética de São Tomás de Aquino. Refugiado de Florença viveu no exílio a maior parte de sua vida e lá criou sua obra prima, “A Divina Comédia”, o maior poema de todos os tempos!
Dante, para aventurar-se pelos caminhos que conduzem ao Inferno, ao Purgatório e ao Paraíso, necessitava um guia. Escolheu Virgílio, poeta criador da "Eneida", o poema que unira o mito grego ao Império Romano, mais de dez séculos antes do nascimento do poeta fundador do idioma italiano literário. Afinal, o Império Romano triunfante necessitava substituir seu "Rômulo e Remo", amamentados por uma loba plebeia, por um mito fundador fugitivo da destruída Troia, na figura de Eneias, filho do rei Príamo.
E Dante nos traz à "Divina Comédia" o poeta Virgílio, representando a Razão e a Sabedoria Divina, por sua vez fora designado como seu guia pela angelical Beatriz, um amor platônico do poeta, sentada ao lado de Deus no Paraíso.
Bloco 2/8
Aquele que nós julgamos ser um dos ápices do poema, seu Canto V, ocorre num dos primeiros círculos do Inferno. Dante se depara com um casal todo entrelaçado, que é açoitado pelos ventos, Francesca e Paolo de Rimini. E será este Canto que podemos considerar como fundador do Eterno Feminino!
Pelos idos de 1280, vivia Francesca, uma nobre de Ravena, afamada pela beleza, a inspiração de Dante Alighieri; era filha de Guido da Polenta, hospedeiro do poeta exilado. Guido era o governante da cidade, que estivera em guerra com a de Rimini. Por um acordo de paz, o pai concedera Francesca em casamento a Giovanni Malatesta, muito mais velho e de péssima aparência. Como ele soubesse que a filha não concordaria em casar-se, o enlace foi realizado por procuração, através de um irmão jovem do noivo, Paolo Malatesta. Acontece que os cunhados não tardaram em se apaixonar e, atraídos para uma cilada pelo marido enganado, foram ambos assassinados.
Até aí basta-nos a história, pois a Francesca de Dante é antes de qualquer coisa uma criação de artista, de gênio, a “primogênita, a primeira mulher viva e verdadeira surgida no horizonte poético dos tempos modernos”², personalidade poética de um ideal cabalmente levado a termo, com todos os conceitos prevalentes na poesia da época: amor, elegância, pudor, pureza e, principalmente, gentileza.
Bloco 3/8
Ao adentrar nos domínios do Inferno, Dante leu no letreiro escuro:
"Por mim se vai das dores à morada,
Por mim se vai ao padecer eterno,
Por mim se vai à gente condenada...
Deixai, ó vós que entrais, toda a esperança.”
Com Dante, um homem vivo a visitar os mortos, ocorreu precisamente o oposto, pois criou uma Francesca que se tornou imortal, símbolo de o “eterno feminino que nos atrai para o alto”¹, primeira mulher a adquirir vida na literatura moderna!
Dante, que tecia versos por um amor puro localizado no Paraíso onde reinava sua Beatriz, uma criatura pouco mulher, mais para uma “angelleta bela e nuova”, encontrou o verdadeiro Amor, aqui no princípio do Inferno, em Francesca. E onde existe o Amor, rescinde-se a Vida.
E Francesca nada tem de divinal, ela é humana e terrestre, um ser frágil, apaixonado, capaz de assumir sua culpa e de culpar, com todas as faculdades feminis que geram emoções irresistíveis e para falar a Verdade, a Vida é isto.
Bloco 4/8
Ela não tem qualidades vulgares como o ódio, o rancor, a inveja. Tampouco qualidades tidas como positivas, boas, caridosas, divinais. De seu íntimo exala exclusivamente Amor, Amor, Amor! E neste está sua ventura e sua desdita! Não busca desculpas pela cilada montada pelo marido que a levou à morte. Abraçada ao espectro do amante, Paolo, sua palavra é de uma brutal sinceridade: “Ele me amou, eu o amei, é tudo!” O Amor é para ela força a que não se pode resistir! Uma onipotência e fatalidade que se assenhora de toda a alma e a conduz ao incontrastável, ao inevitável!
A criação de Dante foi a primeira florescência da qual surgiram as personagens mais amadas da poesia moderna: seres delicados feitos para o amor, nos quais nada há que resista e reaja, flores para as quais o forte vento chega a ser mortal, como Sonia Marmieladovna (Dostoievski), Albertine (Proust), Helena (Machado de Assis), Ofélia e Julieta ( Shakespeare) ... Mulheres arremessadas num mundo que não compreendem e onde também não são compreendidas. A heroína de Dante abraçada a Paolo é um casal tangido pelo vento de sua própria paixão, que se aproxima mais e mais do abismo que eles próprios cavaram e onde podem se precipitar. Mas não importa, isso eles o fazem despreocupadamente, desde que enlaçados, antes mesmo de terem sorvido a vida, a beleza e a juventude.
(continua na próxima semana)












































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